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REFLEXÕES SOBRE A DESAPOSENTAÇÃO por Gisele Lemos Kravchychyn

25/08/2014, publicado por

Sobre a autora: Advogada em Santa Catarina, Paraná e Sergipe. Presidente da Comissão de Seguridade Social da OAB/SC. Pós Graduada em Direito Previdenciário. Pós Graduada em Gestão de Previdência Privada. Sócia da Kravchychyn Advocacia e Consultoria. Coordenadora da pós em Gestão de Previdência Privada pelo CESUSC. Autora de “Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário” e de “Prática Processual Previdenciária”.

Gisele Kravchychyn é especialista em Direito Previdenciário


A desaposentação é tema em destaque no direito previdenciário brasileiro. Como instituto, muito já foi dito desde sua criação, em 1988, por Wladmir Martinez. Entretanto, algumas nuances de seu estudo ainda restam intocadas, em especial, sua comparação com outras situações de cancelamento de benefícios seja no Regime Geral ou nos Regimes Próprios de Previdência Social.

Propomos aqui algumas reflexões sob o enfoque do direito ao tratamento isonômico com os demais casos de cancelamento de benefícios previdenciários, tanto do regime próprio quanto do regime geral de previdência social.

Inicialmente, necessário destacarmos que aposentadoria é um direito garantido a todo trabalhador pela Constituição Federal:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)

XXIV – aposentadoria;

Tal direito é mais uma vez tratado em nossa Carta Magna no artigo 201 que define princípios e parâmetros para o Regime Geral de Previdência Social, cujos benefícios foram estabelecidos na Lei 8.213/91. Para os Regimes Próprios (servidores) temos os parâmetros criados pelo art. 40 e para a Previdência Complementar os detalhes trazidos no art. 202 ambos da CF/88

Vale lembrar ainda que as aposentadorias são concedidas mediante o requerimento do segurado do sistema, sendo exceção as eventualmente concedidas de ofício ou compulsórias, que ocorrem nos Regimes Próprios de Previdência Social.

E mais, a aposentadoria constitui direito personalíssimo na forma de prestação. Uma característica dessa prestação é que a mesma não admite transação ou transferência a terceiros. O que não significa que a aposentadoria seja um direito indisponível para seu titular, o segurado.

Se regularmente concedida a aposentadoria, ela nasceria com o ato de aposentação e acabaria com a desaposentação (se considerarmos possível a mesma) ou com a morte do segurado.

Entretanto, no RGPS/INSS, a Carta Magna assegura o direito do trabalhador de permanecer prestando serviço e contribuindo mesmo após a aposentação.

Surge então a desaposentação, que consiste no ato de renúncia à aposentadoria com posterior concessão de novo benefício, principalmente do interesse daqueles que, já aposentados, continuaram a trabalhar e contribuir para o RGPS/INSS.

No âmbito do direito administrativo “renúncia é ato administrativo unilateral, discricionário, pelo qual se abdica de um direito” (MELLO, 1979, p. 565), logo,a Administração Pública não pode impedir o segurado de promover a renúncia de seu direito patrimonial disponível, tendo em vista do ato eficaz e exequível.

Neste sentido, “os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento.” (REsp 1.334.488/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Primeira Seção, DJe de 14/5/2013).

Assim, na desaposentação os efeitos da renúncia são ex nunc (não retroagem), pois não há como dizer que as prestações recebidas pelo segurado tenham sido indevidas, já que o ato administrativo que concedeu o benefício não deixou de ser eficaz pela renúncia. Neste sentido se posiciona o Egrégio Superior Tribunal de Justiça ().

No mais, na Carta Magna não há qualquer vedação à desaposentação. Na legislação específica da Previdência Social tampouco existe dispositivo legal proibitivo da renúncia aos direitos previdenciários. Existe apenas um ditame no Decreto regulamentador (3.048/99), que se pode afirmar inconstitucional, posto que limitando exercício de direito quando a lei não o fez.

Cabe destacar, entretanto, que a desaposentação é muito mais fruto da construção doutrinária e jurisprudencial do que propriamente retirada do texto, posto que a limitação da liberdade individual deve ser tratada explicitamente, não podendo ser reduzida ou diminuída por omissão.

Além disso, o direito a tratamento isonômico está diretamente ligado a análise da desaposentação, principalmente no tocante a necessidade ou desnecessidade da devolução dos valores recebidos a título do benefício que se quer cancelar.

Nesse enfoque, temos que estabelecer algumas comparações. Vejamos os casos em que o segurado recebe indevidamente um benefício, quando há erro do INSS e o benefício é concedido e depois cancelado.

Nesses casos já é pacífico o entendimento do STF de que o INSS não pode cobrar o valor do benefício recebido pelo segurado, por tratar-se de benefício recebido de boa-fé (nos casos de má-fé é possível a cobrança) e por ter o benefício caráter alimentar, portanto sendo irrepetível. Vejamos:

“O julgamento pela ilegalidade do pagamento do benefício previdenciário não importa na obrigatoriedade da devolução das importâncias recebidas de boa-fé.”
(AI 746.442-AgR, Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-8-2009, Primeira Turma, DJE de 23-10-2009.)

No mesmo sentido, ainda:

1. O benefício previdenciário pago a maior, porém recebido de boa-fé pelo segurado, não está sujeito a repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Precedente: Rcl. 6944, Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje de 13/08/10.

(AI 808263, DJ 16/09/2011, Rel. MIN. LUIZ FUX)

Nesse diapasão, Ministro Joaquim Barbosa também já se manifestou em decisão monocrática:

Apesar de não ser ignorado que a Administração pode e deve rever os atos, se eivados de ilegalidade, também não pode ser ignorada a segurança jurídica que deve escudar aqueles mesmos atos, em especial se o segurado percebe de boa-fé, benefício em valor superior ao devido, como decorrência de erro administrativo devidamente reconhecido nos autos.

INCABÍVEL, PORTANTO, A DEVOLUÇÃO DE EVENTUAIS VALORES PERCEBIDOS PELO SEGURADO EM DECORRÊNCIA DE ERRO ADMINISTRATIVO, PORQUANTO TRATA-SE DE QUANTIA RECEBIDA DE BOA-FÉ. E, como vem reconhecendo os Egrégios Tribunais Pátrios, as prestações alimentícias, onde incluídos os benefícios previdenciários se percebidas de boa-fé, não estão sujeitas a repetição. (…) Do exposto, nego seguimento ao agravo. Publique-se. Brasília, 28 de fevereiro de 2012.(AI 792906, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 28/02/2012, publicado em DJe-045 DIVULG 02/03/2012 PUBLIC 05/03/2012).

O mesmo se entende no tocante a servidores públicos que recebam benefício por erro da administração pública, senão vejamos:

“O reconhecimento da ilegalidade da cumulação de vantagens não determina, automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má-fé do servidor, o que não foi demonstrado nos autos.” (MS26.085, Rel. Min. Carmen Lúcia, DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 13/06/2008)

Nesse norte: AI 662.168/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, Dje 23.11.2010 e o RE 567.681-AgR/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, Dje 08.05.2009.

Logo, considerando que:

– se o servidor público, caso receba INDEVIDAMENTE um valor a título de remuneração ou benefício, por erro da administração, não precisa devolver,

– se o segurado do INSS que receba INDEVIDAMENTE um benefício por erro do INSS na concessão, não precisa devolver o valor recebido,

Não se pode chegar a outra conclusão senão a de que o aposentado que deseja trocar de benefício não necessita devolver os valores recebidos a título do primeiro.

Se diferente fosse, se estaria ferindo o direito à isonomia do segurado que pretende a desaposentação.

Isso porque, de todos os casos acima apresentados, o aposentado que quer desaposentar é o único que recebeu o benefício por aquisição do direito e não por erro ou decisão precária.

Portanto, seria aquele que mais detém o direito a manter o valor recebido, isso sem nem adentrarmos de forma significativa o caráter alimentar do benefício previdenciário.

Assim, se levarmos em consideração o princípio da isonomia, temos que concluir, sempre, pela irrepetibilidade dos valores recebidos a título do primeiro benefício, que se quer cancelar para a concessão do novo.

Não restam dúvidas, portanto, quanto ao direito dos beneficiários de renunciarem a suas aposentadorias, fazendo uso do instituto da desaposentação.

Por fim, com relação ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, cabe lembrar a colocação do Jurista Wladimir Novaes Filho, Procurador do Estado de São Paulo e Graduando em atuária:

O aumento no tempo de contribuição e a diminuição da expectativa de vida podem, no caso concreto, garantir o equilíbrio atuarial do sistema. Isso porque, devemos lembrar que uma aposentadoria concedida mais tarde significará um pagamento por menos tempo, o que acabará se equilibrando com um aumento de valor do benefício. Sem falarmos nas parcelas vertidas ao regime após a primeira aposentadoria.[1]

Outro ponto importante a ser destacado é que a legislação previdenciária tem sofrido inúmeras modificações[2] tanto para o regime geral quanto para o regime próprio, que acabaram por transformar de forma marcante o cálculo de renda mensal dos benefícios previdenciários.

Atualmente, nem sempre um benefício com mais tempo de contribuição resultará num valor de renda mensal maior. Assim, a análise sobre a benéficie da desaposentação deve ser feita caso a caso, já que ainda que legalmente cabível, pode ser mais vantajoso ao segurado permanecer aposentado pelas regras anteriores.

Desta forma, ainda que reste comprovado o direito dos aposentados que continuarem a contribuir em optarem pela desaposentação visando um aumento de seus benefícios, a análise deve ser cuidadosa de forma a prever as modificações legais que poderão afetar o valor final desse novo benefício.


[1] Palestra concedida no 26º Congresso Brasileiro de Previdência Social, 6º painel, dia 27/06/07, Tema Desaposentação.

[2] Citamos as mais importantes: Emenda constitucional nº 20, Emenda constitucional nº 41, Emenda constitucional nº 47, Lei 9.876/99.