Após receber a denúncia do Ministério Público, o juiz deve ordenar a citação do acusado, para que responda à acusação. Promovida a citação, ele deve analisar a hipótese de absolvição sumária, para, só depois, designar a audiência de instrução e julgamento. Por verificar ‘‘atropelo’’ na sequência de procedimentos previstos nos artigos 396 e 397 do Código de Processo Penal, a 7ª Câmara Criminal do TJRS anulou uma sentença da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Leopoldo.
O relator da apelação interposta pela defesa, desembargador Carlos Alberto Etcheverry, admitiu ser compreensível que, em nome da celeridade processual, um mesmo ato tenha englobado recepção da denúncia, determinação de citação e designação de audiência de instrução e julgamento.
Mas tal rapidez viola o princípio do devido processo legal, dando margem à anulação de todo o processo. As informações são do saite Consultor Jurídico, em matéria assinada pelo jornalista Jomar Martins.
Detalhe: ouvindo a gravação da audiência – em mídia encartada a pedido da Defensoria Pública – o desembargador Etcheverry percebeu a ausência do juiz em momentos da coleta da prova. ‘‘Toda e qualquer audiência deve ser presidida por magistrado, não autorizando a lei que a atividade jurisdicional seja delegada a quem quer que seja. E essa obrigatoriedade torna a audiência de instrução, por via de consequência, um ato inexistente’’, afirmou o relator no acórdão.
O julgamento é recente. Ocorreu no dia 12 de maio deste ano. O julgado determinou a remessa de cópia da decisão e da gravação (áudio) da audiência, à Corregedoria-Geral da Justiça, a fim de sejam adotadas as medidas cabíveis.
Há duas semanas, em função de caso semelhante, o Órgão Especial já havia determinado a abertura de processo administrativo contra o mesmo juiz (José Antonio Prates Piccoli) por ocorrência semelhante. O procedimento contra o magistrado está com seu prazo de contestação em curso.
Para entender o novo caso
· No dia 19 de outubro de 2011, no estacionamento de um supermercado da cidade de São Leopoldo, o réu furtou o rádio do veículo de um cliente, avaliado em R$ 190. Após o furto, ele fugiu sendo perseguido por populares; foi preso, pouco depois, por soldados da Brigada Militar.
· Houve a prisão em flagrante, depois convertida em preventiva, pois o acusado era reincidente.
· O Ministério Público, então, apresentou denúncia, dando o acusado como incurso nas sanções do artigo 155, caput, do Código Penal (subtração de coisa alheia móvel). Na mesma oportunidade em que recebeu a inicial, o juiz determinou a citação do réu, que já estava em liberdade, para responder à acusação. Designou ainda audiência de instrução e julgamento para o dia 7 de março de 2012, posteriormente transferida para o dia 27 de abril daquele ano.
· Na audiência, o réu foi interrogado. Cinco testemunhas prestaram depoimento. No final, a sentença — proferida por outra magistrada (Karen Luise Vilanova Batista de Souza), no dia 30 de julho de 2013 — julgou parcialmente procedente a denúncia do MP, para condenar o réu a um ano de reclusão e ao pagamento de 10 dias-multa.
· Cópia do acórdão – ao qual o Espaço Vital teve acesso – refere textualmente que, “quando do início da solenidade, percebe-se que o magistrado José Antônio Prates Piccoli (voz masculina) qualifica a testemunha Jonathan, passando, a seguir, a palavra ao Ministério Público. A partir daí, o julgador não mais se manifesta, o que fica claro a partir da finalização da inquirição da testemunha pelo representante do órgão ministerial, quando pode ser ouvida uma voz feminina passando a palavra à defesa”.
· Idêntico procedimento foi realizado quando da oitiva da testemunha Marcos: a qualificação foi feita por pessoa com voz masculina – presumivelmente o magistrado – que, ato contínuo, passou a palavra à acusação. Mais tarde, uma voz feminina passou a palavra à defesa.
· O mesmo aconteceu também no que diz respeito à testemunha Patrícia: aos 8 segundos do áudio percebe-se que o juiz passa a palavra à defesa e aos 01min e 27s é a voz feminina que passa a palavra ao órgão ministerial. Tal não ocorreu na inquirição da testemunha Jane, em que o magistrado passou a palavra ao Ministério Público (53s) e imediatamente após à defesa (55s).
· Quanto à testemunha Antônio, arrolada pela defesa, o magistrado passa a palavra à defesa, todavia não se ouve voz masculina ou feminina, seguindo-se a palavra do órgão ministerial.
· Segundo o desembargador Etcheverry, “a nulidade processual é gritante, pois toda e qualquer audiência deve ser presidida por magistrado, não autorizando a lei que a atividade jurisdicional seja delegada a quem quer que seja”. (Proc. nº 70064250376).
Fonte: Espaço Vital.