O financiamento da seguridade social é dever de toda a sociedade. Pelo menos é o que diz a Constituição Federal, em seu artigo 195. Mas, na prática, não é bem assim. Levantamento da Força-tarefa Previdenciária – composta por integrantes do Ministério Público, Polícia Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – revela os mais diversos tipos de fraude praticados por agentes públicos, empregadores e segurados para desviar recursos que deveriam ser usados para garantir aposentadorias e outros benefícios para os trabalhadores. E aponta prejuízos bilionários.
De 2003 até o ano passado, as investigações dessa força-tarefa desbaratam esquemas de fraudes que causaram prejuízos de até R$ 4,6 bilhões. Esse valor representa 40,2% do resultado negativo de R$ 11,437 bilhões registrado pelo INSS no primeiro bimestre deste ano. Durante esse período, foram feitas 590 operações para combater desvios de recursos realizados por quase 2 mil pessoas, entre elas 417 servidores públicos. Os maiores desvios foram registrados em 2008: cerca de R$ 2 bilhões, registrados em 36 operações. Ano passado, o prejuízo estimado foi de R$ 50,8 milhões. Este ano já foram realizadas cinco operações.
O preço desses desvios, segundo o procurador Carlos Alexandre Menezes, um dos integrantes da força-tarefa em Minas Gerais, muitas vezes é a não concessão de algum benefício a quem realmente necessita dele, além do aumento gradativo do déficit da Previdência, que “em um futuro próximo pode comprometer todo o sistema”. Segundo ele, as fraudes mais comuns são a criação de falsos vínculos empregatícios na carteira de trabalho ou no próprio Cadastro Nacional de Informações Sociais – o banco de dados do INSS –, o recebimento continuado de pensões ou aposentadorias de pessoas já falecidas, a apresentação de documentos falsos para atestar incapacidade ou doenças simuladas e a sonegação das contribuições previdenciárias por parte do empregador.
PERÍCIA Em uma das grandes operações da força-tarefa no estado, batizada na época de Freud, foram detectados vários desvios na concessão de benefícios por doença ou invalidez. De acordo com ele, alguns segurados chegavam a tomar remédios para simular doenças no dia da perícia. Nessa operação foram denunciadas 67 pessoas, entre médicos, despachantes, atravessadores e segurados. O procurador lembra que essas fraudes podem provocar a detenção dos envolvidos e seu enquadramento como estelionatários ou sonegadores. “Tem gente que recebe pensão de pessoas falecidas por anos. Isso é crime.”
Este ano, o Ministério Público Federal já obteve a condenação de oito pessoas por fraudes contra o sistema previdenciário. Duas delas respondem, juntas, por 42 ações que tramitam na Justiça Federal pelo mesmo motivo: desvios de recursos do INSS. Em todas as ações o MPF recorreu para tentar aumentar a pena dos réus, muitos vezes sentenciados a poucos anos de detenção, que acabam sendo convertidos em serviços à comunidade ou regime semiaberto.
RECORDISTAS Duas mulheres são as recordistas de acusações por estelionato contra a Previdência em Minas Gerais. Ana Maria da Silva, de 61 anos, responde a 27 ações penais na Justiça Federal em Belo Horizonte, e Neide Souza Martins , de 57, moradora de Sete Lagoas, Região Central, responde a outros 15 processos. As duas, que já foram condenadas em algumas ações, são acusadas de arregimentar pessoas para receber benefícios a que não teriam direito, usando, na maioria dos casos, anotações falsas nas carteiras de trabalho e empresas de fachada. As duas chegaram a ser presas em junho de 2009, durante a Operação Tarja Preta, deflagrada para combater fraudes na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em uma das sentenças Ana Maria foi acusada de receber três vacas em forma de pagamento para providenciar a aposentadoria por invalidez de um trabalhador rural que gozava de boa saúde.
Já Neide de Souza Martins é apontada como intermediadora de inúmeros requerimentos junto ao INSS utilizando meios fraudulentos como anotações falsas na carteira de trabalho e falsos atestados médicos, além de aconselhamento de como o segurado devia se portar durante perícia médica para demonstrar doença.
Também foi condenado este ano o médico Wolmer Miotto, acusado de integrar um esquema que atuou de modo semelhante em outros procedimentos de concessão de benefícios. Um agenciador obtinha um atestado indicando a incapacidade ou encaminhava o interessado a um médico e, de posse do documento falso, solicitava o benefício ao INSS.