Julgamento em Recurso Repetitivo
A ampla defesa é um princípio assegurado na Constituição de 1988. Essa garantia baseia-se no direito à informação, no direito de manifestação e de ver seus argumentos considerados. Contudo, o que é um direito torna-se abuso de direito quando são violados os deveres de lealdade processual e comportamento ético no processo, desvirtuando a própria ampla defesa. É a chamada litigância de má-fé. O artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Porém, se uma das partes no processo age de forma maldosa, seja com dolo ou culpa, utilizando procedimentos escusos para vencer ou ainda, sabendo ser impossível vencer, para prolongar o andamento do feito, o magistrado pode penalizar quem abusa do direito de pedir. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), os ministros têm enfrentado situações que demonstram haver cada vez menos tolerância com a litigância de má-fé. O Tribunal tem se dedicado a reduzir tanto o acervo quanto a duração dos processos em trâmite, e a tentativa de meramente procrastinar o desfecho judicial, além de não encontrar abrigo na jurisprudência, é vista como antiprofissionalismo. Os magistrados podem condenar o litigante de má-fé, independentemente de um pedido nesse sentido, em multa ou indenização à parte contrária. Sucessivos e infindáveis Em junho de 2012, a Terceira Turma aplicou multa por litigância de má-fé de 1% sobre o valor da causa em razão de interposição, pela segunda vez, de embargos de declaração com “intuito manifestamente protelatório”, como avaliou o relator do processo, ministro Villas Bôas Cueva. Insistente, a parte apresentou novos embargos (pela terceira vez) e, em novembro, a Turma aumentou a multa para 5% (Ag 784.244). O ministro Cueva esclareceu que os embargos de declaração são recurso restrito, cujo objetivo é esclarecer o real sentido de decisão em que se encontre obscuridade, contradição ou omissão. No caso, porém, houve a reiteração dos argumentos que pretendiam modificar a decisão, o que, para a Turma, denota o caráter protelatório dos embargos. O ministro ainda condicionou a interposição de novos recursos ao depósito da multa. Majoração da multa A Quarta Turma, que também analisa questões de direito privado, adotou medida semelhante no julgamento do Ag 1.267.606. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, nos segundos embargos de declaração, não só aplicou multa de 10% sobre o valor da causa, como condenou a recorrente a indenizar a parte contrária em R$ 5 mil reais. Contra texto de lei Em julgamento realizado em 2006, a ministra Nancy Andrighi explicou que “não se caracteriza a litigância de má-fé por pretensão contra texto expresso de lei, se a interpretação dada ao dispositivo pelo órgão julgador for diversa daquela pretendida pela parte e houver plausibilidade na tese defendida por esta” (REsp 764.320). Já em outra hipótese analisada, a Primeira Turma, em 2005, condenou o estado do Maranhão ao pagamento de multa por litigância de má-fé. No caso, era contestada decisão que concedeu à parte contrária o benefício da assistência judiciária, em razão de o serviço não ser prestado por profissional da Defensoria Pública, mas por advogado escolhido pela parte. Ocorre que a Lei de Assistência Judiciária condiciona a concessão do benefício à simples afirmação do postulante sobre seu estado de pobreza. O relator, ministro José Delgado, já aposentado, entendeu que o equívoco do estado contribuiu para o “injustificado retardamento da jurisdição buscada” (REsp 739.064). Esfera penal A afirmação foi feita no julgamento de um agravo de instrumento, em outubro de 2012 (Ag 1.425.288). Era a terceira vez que a defesa do réu havia interposto agravo regimental, recurso destinado a combater decisão monocrática. No caso, a defesa apresentou por duas vezes tal recurso contra decisão do colegiado, a Quinta Turma. “Somente é cabível agravo regimental contra decisão monocrática, constituindo erro grosseiro e inescusável a interposição desse recurso para impugnar decisão colegiada”, repreendeu o ministro Bellizze em seu voto. O ministro considerou que a insistência da defesa no mesmo erro revelou o seu nítido caráter protelatório, no intuito de impedir o trânsito em julgado da ação penal e viabilizar uma possível prescrição da pretensão punitiva. Em outro caso, julgado em 2011, o então desembargador convocado Celso Limongi, após os segundos embargos de declaração no julgamento de um agravo, também determinou o imediato início da execução da pena, independentemente da publicação do acórdão ou da interposição de eventual recurso (Ag 1.141.088). A mesma medida foi adotada pela ministra Laurita Vaz ao julgar o quarto recurso interno contra uma decisão sua (Ag 1.112.715). Petições incabíveis O recurso especial sustentava haver nulidades nos quesitos formulados pelo juiz durante o julgamento no Tribunal do Júri. Autuado em 2006, o recurso da defesa do coronel Mário Pantoja foi negado pela Quinta Turma em dezembro de 2009. Em fevereiro de 2010, a defesa apresentou novo recurso, chamado embargos de divergência. No mês seguinte, o recurso foi indeferido liminarmente. Novo recurso e a posição foi confirmada pela Terceira Seção. Houve mais um recurso à Seção, outro recurso ao Supremo Tribunal Federal (que não foi admitido) e uma sequência de mais cinco recursos contra essa última decisão. O ministro Fischer, então vice-presidente do STJ, determinou a baixa definitiva dos autos, independentemente do trânsito em julgado, em razão da interposição descabida e desmedida dos recursos. Neste caso, destacou o ministro, é evidente a intenção da defesa em prolongar indefinidamente o exercício da jurisdição, com petições desprovidas de qualquer razão e notoriamente incabíveis. Direito de recorrer Em julgamento realizado em 2009, o ministro Fernando Gonçalves, já aposentado, decidiu que a interposição de recurso legalmente previsto não poderia ser considerada litigância de má-fé. No caso analisado, a Quarta Turma excluiu a multa aplicada por conta do ajuizamento simultâneo de recurso de apelação e de agravo de instrumento – o primeiro contra a sentença e o segundo contra decisão proferida em exceção de suspeição –, ainda que a fundamentação e o objetivo de ambos fossem parcialmente coincidentes. Para os ministros, no caso ficou claro o legítimo exercício do direito de ação (REsp 479.876). No mesmo julgamento, a Turma ainda afastou a multa aplicada em grau de recurso, por ocasião do julgamento de embargos opostos contra o acórdão de apelação. Os ministros aplicaram a Súmula 98 do STJ, segundo a qual “embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”. Em 2012, ao julgar um recurso, o ministro Luis Felipe Salomão afastou a multa aplicada pela segunda instância, considerando que “não tem lugar a condenação por litigância de má-fé quando se mostrar evidente o desinteresse dos recorrentes em procrastinar o feito”. Para o ministro, no caso analisado, ocorreu o legítimo exercício do direito de recorrer, “prática na qual a jurisprudência, em diversas ocasiões, não reconheceu a caracterização de malícia processual” (REsp 1.012.325). |