O ano forense de 2020 começa no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com a conclusão de julgamentos de vários recursos repetitivos que terão impacto direito em milhões de processos em todo o país.
Confira o que está previsto na pauta dos órgãos julgadores do tribunal para os meses iniciais deste ano judiciário, que começa nesta segunda-feira (3).
A Corte Especial deverá concluir o julgamento do Tema 929. Cinco processos discutem as hipóteses de aplicação da repetição em dobro prevista no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
Segundo o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugep), a matéria impacta milhões de processos em todo o país, principalmente os relacionados à telefonia e a bancos. O ministro Luis Felipe Salomão está com pedido de vista nesse tema, e o relator dos processos é o ministro Raul Araújo (EAREsp 622.897 e outros).
Na Primeira Seção, que retoma os julgamentos no dia 12 de fevereiro, quatro temas repetitivos deverão ser julgados. No Tema 1.014, o colegiado discute a possibilidade da inclusão de serviços de capatazia na composição do valor aduaneiro. Capatazia é a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações de uso público, compreendendo recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário.
Segundo informações da Procuradoria da Fazenda Nacional, caso o STJ adote a tese do contribuinte, de que os gastos relativos a descarga, manuseio e transporte no porto de origem e no porto de destino não são componentes do valor da mercadoria, haverá um impacto financeiro de mais de R$ 12 bilhões, nos cinco anos seguintes, no que diz respeito ao Imposto de Importação e ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Em dezembro, o ministro Gurgel de Faria – relator – votou para negar provimento ao recurso da Fazenda Nacional. Na sequência, o ministro Francisco Falcão pediu vista (REsp 1.799.306 e outros).
Outro caso que deve ter conclusão em 2020 é o Tema 986, que discute a inclusão da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD) na base de cálculo do ICMS.
Segundo o Nugep, a matéria possui potencial enorme de multiplicidade, com mais de 100 mil processos sobre o assunto sobrestados até o momento. O relator do caso é o ministro Herman Benjamin (EREsp 1.163.020 e outros).
No Tema 1.037, relatado pelo ministro Og Fernandes, os ministros discutem a incidência ou não do imposto de renda prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1998, sobre os rendimentos de portador de doença grave que se encontra no exercício de sua atividade laboral.
Og Fernandes observou que, apesar de alguma semelhança com a questão discutida no Tema 250, na ocasião, a Primeira Seção apenas definiu se as moléstias graves indicadas no dispositivo legal seriam um rol taxativo ou exemplificativo, sendo necessária a discussão atual para definir se o portador de doença grave ainda na ativa também faz jus ao benefício (REsp 1.814.919 e outro).
Já no Tema 1.011, o colegiado discute uma questão previdenciária. Os dois recursos afetados tratam sobre a incidência ou não do fator previdenciário no cálculo da renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de contribuição de professor, quando a implementação dos requisitos necessários à obtenção do benefício se der após a edição da Lei n. 9.876/1999.
O assunto abordado no REsp 1.799.305 é relatado pelo ministro Mauro Campbell Marques. No acórdão de afetação, o ministro destacou que o Supremo Tribunal Federal chegou a afetar a matéria e depois a cancelou – o que justifica a análise por parte do STJ.
IAC
Em 2020, além dos repetitivos, a Primeira Seção deverá julgar o Incidente de Assunção de Competência 6, que discute os efeitos da Lei n. 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada. A lei em questão trata do pagamento de honorários periciais em ações que têm o INSS como parte.
A decisão de admissão do IAC determinou a imediata suspensão, em todo o território nacional, de qualquer ato destinado à redistribuição de processos pela Justiça estadual (no exercício da jurisdição federal delegada) para a Justiça Federal, até o julgamento definitivo do IAC.
Para Mauro Campbell Marques, o incidente trata de tema de “absoluta relevância jurídica e repercussão social”, uma vez que a competência federal delegada foi recentemente objeto de reforma pela Emenda Constitucional 103 (a reforma da previdência), de 12 de novembro de 2019 (CC 170.051).
Poupança
Na Segunda Seção, três temas repetitivos são relacionados aos expurgos inflacionários da caderneta de poupança e deverão ser julgados ao longo deste ano. Os recursos são relatados pelo ministro Raul Araújo.
No Tema 948, discute-se a legitimidade do não associado para a execução da sentença proferida em ação civil pública manejada por associação na condição de substituta processual (REsp 1.438.263 e outros).
O Tema 1.015 versa sobre a legitimidade passiva do HSBC Bank Brasil S/A para responder pelos encargos advindos de expurgos inflacionários relativos a cadernetas de poupança mantidas no extinto Banco Bamerindus S/A, em decorrência de sucessão empresarial havida entre as instituições financeiras (REsp 1.362.038 e outro).
Por último, o Tema 1.033 analisa a interrupção do prazo prescricional para pleitear o cumprimento de sentença coletiva, em virtude do ajuizamento de ação de protesto ou de execução coletiva por legitimado para propor demandas coletivas (REsp 1.801.615 e outro).
Audiência pública
Em 10 de fevereiro, a partir das 14h, o STJ sediará uma audiência pública para discutir o Tema 1.016 dos repetitivos, relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O assunto é a validade da cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária e o ônus da prova da base atuarial do reajuste (REsp 1.716.113 e outros).
Na decisão de afetação, o ministro afirmou que a controvérsia presente é distinta da tese firmada no Tema 952, sendo necessária a formação de um novo precedente.
Outro tema a ser julgado pela Segunda Seção é o 1.034, que discute quais condições assistenciais e de custeio do plano de saúde devem ser mantidas a beneficiários inativos, nos termos do artigo 31 da Lei n. 9.656/1998. O caso é relatado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira (REsp 1.818.487 e outros).
Criminal
Na Terceira Seção, os ministros definirão, no âmbito do Tema 1.027, se, nos crimes previstos na Lei n. 11.343/2006, deve ser aplicado o rito processual disposto no artigo 400 do Código de Processo Penal, em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ou o rito específico da legislação própria (artigo 57 da Lei das Drogas), em razão do princípio da especialidade. A controvérsia é relatada pelo ministro Rogerio Schietti Cruz (REsp 1.825.622 e outro).
Corte Especial
No REsp 1.758.708, a Corte Especial discute se, nos casos de sentença coletiva em ação promovida pelo Ministério Público, eventual pedido de liquidação coletiva da sentença pelo Ministério Público interrompe prazo de prescrição para pedidos de liquidação de particulares.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, entendeu que, como o MP não possui legitimidade para pedir liquidação individual em sentença coletiva, o prazo de prescrição não seria interrompido. O ministro Luis Felipe Salomão está com pedido de vista.
Verba alimentar
Outro caso em julgamento na Corte é o REsp 1.815.055, também relatado pela ministra Nancy Andrighi, com pedido de vista do ministro Luis Felipe Salomão. O processo trata da possibilidade de o salário do devedor ser penhorado para o pagamento de honorários advocatícios, por se tratarem estes de verba alimentar.
O recurso foi remetido à Corte Especial para sanar eventual imprecisão na definição das expressões “verbas de natureza alimentar” e “prestações alimentícias”.
A ministra Nancy apresentou voto em outubro no sentido de que os honorários advocatícios, apesar de terem natureza de verba alimentar, não podem ser enquadrados como prestação alimentícia – a exemplo daquela destinada à subsistência familiar de vulneráveis. Por isso, no caso da cobrança de honorários, a relatora entendeu que não seria possível afastar ou mitigar a regra da impenhorabilidade dos salários.
Compra de ações
Em 2020, a Corte Especial deverá finalizar o julgamento que discute a compra de ações da AmBev na década de 1990. O julgamento foi iniciado em junho, e está incluído na pauta da sessão do dia 19 de fevereiro (EREsp 1.325.151).
O colegiado analisa embargos de divergência do Economus Instituto de Seguridade Social em processo contra a Ambev, no qual se discute a incidência de uma cláusula de ajuste do bônus de subscrição em posse da entidade previdenciária.
A cláusula teria incidência após o exercício, em 1997, de opções de compra de ações da AmBev – então Cervejaria Brahma –, efetuado por administradores e funcionários da empresa. Os embargos foram opostos depois que a Quarta Turma rejeitou a pretensão da Economus.
Na origem, a entidade de previdência complementar ajuizou ação contra a AmBev requerendo a condenação da empresa a emitir as ações preferenciais a que diz ter direito.
Ao todo, a entidade afirmou ter direito a cinco ações preferenciais para cada bônus subscrito, no total de aproximadamente cinco milhões de ações.
O relator dos embargos, ministro Jorge Mussi, votou pelo conhecimento parcial do recurso e, no mérito, pelo não provimento. O caso está com pedido de vista coletiva.
Nas turmas
A Quarta Turma deverá concluir o julgamento que vai definir se um condomínio residencial pode proibir a oferta de imóveis para aluguel por meio de plataformas digitais como o Airbnb.
O julgamento foi aberto em outubro, com a apresentação do voto do relator – ministro Luis Felipe Salomão –, que entendeu não ser possível a limitação das atividades locatícias pelo condomínio residencial porque as locações via Airbnb e outras plataformas similares não estariam inseridas no conceito de hospedagem, mas, sim, no de locação residencial por curta temporada. Além disso, não poderiam ser enquadradas como atividade comercial passível de proibição pelo condomínio.
O ministro também considerou que haveria violação ao direito de propriedade caso fosse permitido que os condomínios proibissem a locação temporária. Na sequência, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Raul Araújo (REsp 1.819.075).
No REsp 1.353.300, o colegiado discute se é possível a aplicação da Lei de Marcas e Patentes para proteção de marca de partido político (atividade não econômica), a fim de garantir sua exploração comercial. No caso, o Partido Federalista recorre de decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e pede a condenação do Democratas (DEM) a indenização por uso de marca supostamente idêntica.
O relator, ministro Marco Buzzi, entendeu que é possível o registro de símbolos como marcas, bem como a exploração econômica delas pelas agremiações políticas; deu provimento ao recurso para cassar o acórdão recorrido, e determinou o exame do mérito com base nas premissas estabelecidas no voto. O ministro Raul Araújo deve apresentar o seu voto-vista na questão.
Fertilização in vitro
Na Terceira Turma, o REsp 1.794.629 discute se a seguradora é obrigada a arcar com o tratamento de fertilização in vitro. O recurso discute, também, a distinção entre esse tipo de procedimento e a inseminação artificial, e se, em caso de dúvida, a interpretação deve ser mais favorável ao consumidor. O relator do caso é o ministro Moura Ribeiro, e o pedido de vista é do ministro Villas Bôas Cueva.
Até o momento, o relator e o ministro Paulo de Tarso Sanseverino votaram negando provimento ao recurso da seguradora, e a ministra Nancy Andrighi votou dando provimento ao recurso.
O julgamento pode mudar a posição do tribunal sobre o assunto, já que o entendimento firmado anteriormente é no sentido de que a seguradora não é obrigada a arcar com o procedimento.
Operações da PF
A Quinta Turma deverá analisar dois habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No HC 533.725, a defesa pede a suspeição do desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Thompson Flores para atuar no caso do sítio de Atibaia. Esse caso aguarda parecer do MPF.
No HC 544.812, o questionamento é sobre o compartilhamento de mensagens entre o ex-juiz do caso – o atual ministro da Justiça, Sergio Moro – e procuradores que atuavam na força-tarefa da Lava Jato.
A defesa pede acesso integral a todas as mensagens que digam respeito, direta ou indiretamente, ao ex-presidente. Ambos os habeas corpus estão sob a relatoria do desembargador convocado Leopoldo Raposo.
A Sexta Turma julgará o mérito do habeas corpus do ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho, investigado durante a Operação Calvário. Ele foi solto por uma liminar do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, no dia 21 de dezembro (HC 554.349).
O ministro entendeu que, no caso, não está preenchido o requisito da efetiva demonstração da necessidade atual da prisão preventiva.
O Ministério Público imputou ao ex-governador o cometimento de ilícitos penais de variada tipificação, e o apontou como o chefe do suposto grupo criminoso que teria desviado montantes milionários dos setores da Saúde e da Educação, e auferido vantagens ilícitas. Na Sexta Turma, a relatora do caso é a ministra Laurita Vaz.